Reviro-me na cama, sem qualquer noção do tempo, como que angustiado por tudo estar apagado e eu sem vontade para dormir. "Que parvoíce!" – digo eu em voz alta para mim próprio. Aqueles momentos estranhos em que num ápice sem explicação cientifica nos surge a necessidade de absorver conhecimento. Apeteceu-me ler. Apeteceu-me escrever e apontar todas as palavras e frases soltas que me surgem à cabeça...li e reli, em fúria, textos sem nexo nenhum entre si até que fixei:
«Os ursos e as ursas comem meninos grandes. Os ursos comem-se uns aos outros como Deus os comeu. E trancou. Ao dar-lhes a condição de ursos. Os músculos dos heróis desfazem-se nos pelos do tapete. Partem-se em gemidos e roçares de tinta e papel. Até não estar mais nada que uma mancha. Os anjos não têm caudas. Porque a sua missão é retirar as dos homens de debaixo dos vestidos. Os anjos com caudas não são anjos. Somos nós a cantar mais alto do que a nossa condição permite. O mundo está cheio de anjos com cauda, mesmo se não existem. Mas isso é a ilusão natural dos que nascem aos gritos. Os ursos comem as ursas comem os ursos comem os outros comem ursas e ursos. Esta noite sonhei.»
in «Fantasias» - 'Segura-te ao meu peito em Chamas' de Possidónio Cachapa
2:13h Toca o telemóvel anunciando chegada de mensagem…desligo o pc, apago a luz e vou sonhar!
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